domingo, 31 de outubro de 2010

Uma xícara de chá para pensar

(continuação do conto “Ela Decidiu Que Queria Morrer”)

Vicente esticou a Mirella uma xícara de chá.

- Toma. – disse, firme

- Não quero.

- Eu sei que não quer. Mas estou mandando. Anda logo, toma.

Mirella olhou para Vicente assustada. Pegou o chá, e ainda de olhos nele, tentou dar o primeiro gole.

- Ai! – disse, após queimar a língua.

- Eu disse pra tomar o chá, mas não pra tomar rápido.

Vicente estava estranho. Parecia bravo com ela e ela não entendia qual seria o motivo. Será que ele não via que ela estava sofrendo? Que precisava de compreensão e não de um olhar tão duro? Decidiu não falar nada e começou, cuidadosamente, a tomar seu chá. Enquanto bebia, Vicente não tirava os olhos dela. Em seu olhar, parecia haver uma pergunta. Quando Mirella já estava na metade do chá, a pergunta de Vicente migrou dos olhos para os lábios:

- Por quê?

- Por que o quê, Vicente?

- Por que você ia fazer aquilo?

- Ah, Vicente... – disse, baixando a xícara e o olhar.

- Sem essa. Agora você vai me explicar.

- Eu ainda amo o Bruno...

- Bruno, Bruno, sempre o Bruno. Aquele Bruno que sempre fugia de você? Que ficava de saco cheio quando você o abraçava? Aquele Bruno que mentia, que traía?

- Ele não me traía... – interrompeu, mas Vicente continuou, cada vez mais exaltado.

- Traía sim, e você sabe disso. - continuou - Aquele Bruno que todos os dias te fazia chorar? Aquele Bruno que não te amava?

- Ele me amava... Da maneira dele.

- Você merece mais do que essa maneira dele te amar. Você não percebe que sempre fez de tudo... De TUDO por ele e nunca recebeu nada em troca?

- Amor não pede nada em troca... Mas Vicente, por que você está assim? – Mirella estava cada vez mais assustada. Vicente ignorou sua pergunta.

- Não pede nada em troca? Se não pedisse, você não teria sofrido tanto.

Essa última frase foi dita com tal frieza que Mirella começou a chorar. Vicente puxou a cadeira para perto dela, segurou suas mãos e procurou seu olhar.

- Eu falo tudo isso porque te amo, Mirella. Você sabe disso.

- Eu sei, Vicente. Você é meu melhor amigo desde criança, você sabe que eu também te amo.

- Você não entendeu. Mas tudo bem, não precisa entender agora.

Abraçou a amiga. Mirella aconchegou-se nos braços de Vicente e fechou os olhos. Chorava sem parar.

Continua...

terça-feira, 26 de outubro de 2010

A filha do morto

O Sol já estava indo embora quando aquele enterro começou. Devia ser um homem conhecido, pois havia muita gente ali. No entanto, não devia ser querido, pois percebi que muitas lágrimas sequer molhavam os rostos daquele povo. A única que chorava era a viúva – mas ao seu lado, um bonitão parecia confortável demais para a ocasião.

Gosto de morar nesse cemitério. Observar as pessoas em sua fragilidade máxima, notar se uma lágrima é de tristeza ou se, no fundo, é de alívio. Aprendi a ler as pessoas, entendê-las – e, acima de tudo, a odiá-las ao mesmo tempo em que fico fascinado por elas.

Meu nome é George, considero que tenho 27 anos. Moro aqui há 50 anos desde que morri. Ninguém pode me ver, nem me escutar, e acho isso divertidíssimo.Gosto de chegar perto das pessoas, ouvir sua respiração, suas conversas. Por que não saio do cemitério? Porque aqui é o lugar em que as pessoas sentem mais – não importa o quê. Tristeza, saudade, desespero...

Mas esse enterro, desse dia, foi o que mais me chamou a atenção. Uma garota começou a se afastar. Aparentava ter uns 10 ou 11 anos, ruiva e de pele branca. Andava, alheia à tudo que acontecia. Quando começou a se afastar, a viúva disse “Não vá longe, filha”. Era, então, a filha do defunto. A garota não lhe deu ouvidos, se afastou, chutando as folhas secas que estavam em seu caminho. Tinha o pensamento longe, mas tão longe que nem eu consegui alcançá-lo.

Caminhava em minha direção, sempre olhando para o chão. De repente ela parou. Parecia que algo estava em seu caminho. Ela olhou o que estava em seu caminho, de baixo para cima. Percebi, então, que o que estava em seu caminho, então, era eu.

- Dá licença, por favor?

- Claro, toda...

Dei passagem a ela.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Ninho

Quando um sentimento é superficial, e na maioria das vezes apenas um engano, fica muito fácil verbalizá-lo. Ele já está perto da saída, vai com o fluxo das emoções e, quando nos damos conta, já soltamos uma declaração impensada.
No entanto, quando um sentimento é profundo, verdadeiro, ele se instala no coração e não quer mais sair de lá. É como achar um lar aconchegante com uma lareira, chocolate quente e uma coberta após enfrentar uma nevasca. É assim que um sentimento verdadeiro fica quando começa a surgir. Ele não quer sair, não quer dar as caras... Ele, na verdade, é medroso. Não se sente forte o suficiente para enfrentar o mundo lá fora. Prefere ficar recluso, ganhando força... Crescendo... Crescendo tanto, mas tanto, que chega uma hora que ele não cabe mais em seu lar...
Escapa por todos os poros da pele que o abriga, escapa pelos olhos... Por último, escapa pela boca. Ele cresceu, virou adulto. Quer liberdade. Quer se mostrar ao mundo. E quer, principalmente, encontrar sua alma gêmea, que se chama "Eu também te amo".

terça-feira, 5 de outubro de 2010

"Eu estava em paz quando você chegou"

Roubaram meu ar,
tiraram meu chão,
acabaram com a minha calma.

E por isso
(e não "apesar disso")
estou muito feliz!
 
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