domingo, 7 de novembro de 2010

O brigadeiro

(continuação do conto Uma Xícara de chá para pensar)

Mirella não tirava da cabeça sua última conversa com Vicente. No momento não dera atenção quando ele disse “Você não entendeu. Mas tudo bem, não precisa entender agora.”. Isso, agora, não saía de sua cabeça.

Olhou para seu mural, e lá tinha uma foto de quando os dois eram crianças, na festa de aniversário de 8 anos de Mirella.

Vicente... Lembra-se de quando o conhecera em sua cidade natal, Itu, quando o garoto se mudou para o apartamento vizinho ao seu. Ele tinha 8 anos e ela 7. Vicente jogava bola com seu irmão na quadra do prédio logo no primeiro dia na cidade. A quadra, na época, não tinha rede de proteção e quando a garota passou por perto, Vicente chutou a bola e sem querer a acertou na cabeça. Correu para ver se ela estava bem, mas Mirella ficou brava, achando que tinha sido de propósito e mandou o garoto para o inferno (na época, ela ainda achava feio falar palavrão).

Se não fosse o fato de as mães das duas crianças terem ficado tão amigas, Vicente e Mirella seriam apenas mais dois vizinhos que têm birra um do outro. Mas não foi o que aconteceu. A mãe de Mirella, um dia, encontrou a nova amiga no elevador e a chamou para o aniversário de sua filha. “Leva os seus meninos”, disse ela.

Quando Mirella viu Vicente em seu aniversário, surtou.

-O que você tá fazendo aqui? É o MEU aniversário e eu não quero você aqui!

-Eu que não queria estar aqui! Minha mãe que me obrigou!

Vicente deu as costas para Mirella e correu para a mesa dos doces. Mirella, irritada, correu atrás de Vicente, que estava prestes a roubar um brigadeiro.

-NÃO PODE! Não cantamos o “Parabéns” ainda!

Vicente ficou sem jeito, deixou o brigadeiro na mesa, e saiu de perto, cabisbaixo, falando algo como “A única coisa que eu queria aqui...”

Mirella, então, se arrependeu. Viu que o garoto passou o aniversário o tempo todo junto de sua mãe, quieto... É, não parecia nada feliz de estar ali. E ele só queria um brigadeiro.

Mirella, então, pegou um e foi até Vicente. Sem jeito, estendeu o doce ao garoto.

- Tó.

- Por quê?

- Pega logo e não enche.

Vicente, desconfiado, pegou o doce.

– Obrigado...

A mãe de Mirella viu essa cena e, escandalosamente, disse

- Ah, que lindos! Deixa eu tirar uma foto de vocês, deixa?

Na foto, Mirella com cara de quem queria matar a mãe. Vicente, com um sorriso amarelo, cheio de chocolate nos dentes.

A foto estava até hoje no mural de Mirella.

Vicente... Mudara tanto nos últimos anos! Mais alto, mais forte... Os olhos e o sorriso, no entanto, eram os mesmos. Sua atenção, sua dedicação e sua maturidade (que ele já tinha desde criança), ainda eram as mesmas. Mirella, também, ainda era a mesma. Sempre surtava, sempre gritava com Vicente. Ele sempre a acalmava.

Os meses antes do vestibular foram os mais difíceis. A idéia de cada um ir para uma cidade diferente os atormentava, mas prometiam sempre que um visitaria o outro. Mas tanto sofrimento foi desnecessário: passaram na mesma universidade, em São Paulo. Não moravam mais no mesmo prédio, mas ainda moravam na mesma rua.

Vicente... Nunca foi com a cara de Bruno. Bruno era folgado e espaçoso quando Vicente estava por perto. Os dois nunca se deram bem, mas Vicente nunca escondeu isso, sequer disfarçava a raiva que sentia de Bruno. Bruno, por outro lado, se fazia de amigo de Vicente. Hoje Mirella via isso. Se fazia de amigo, mas não era. Ele parecia querer colocar Vicente contra Mirella, e muitas vezes Mirella acreditou em Bruno. Chegou a ignorar Vicente por meses, depois que Bruno disse que Vicente puxou briga com ele. Vicente disse o contrário, que Bruno que puxou briga, mas Mirella não acreditou. Só voltou a falar com o amigo depois que contaram a ela o que acontecera de fato; quem mentia na história era Bruno. Mirella não precisou de grande esforço para ter o amigo de volta. Ele abriu a porta, ela disse “Me desculpa?” e ele apenas respondeu com um abraço. Vicente não era de falar muito. Era bom de ouvir e entender.

Por isso Mirella estranhou tanto o comportamento dele na última conversa. Vicente... Sempre fizeram por ela o que nenhum outro fazia. E ela, o que fazia por ele? Nada.

Mirella, então, foi para uma doceria da rua e comprou o brigadeiro mais apetitoso; pediu para colocarem em uma caixinha para viagem e escreveu um bilhete em um papel rosa.

Chegando no prédio de Vicente, foi até a porta de seu apartamento. Segurando a porta do elevador, deixou a caixinha do brigadeiro com o bilhete na porta, tocou a campainha e entrou de novo no elevador.

Vicente abriu a porta. No bilhete, dizia:

“Me desculpe por tudo. Precisamos conversar.”

Continua...

 
BlogBlogs.Com.Br