terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Um trecho qualquer

Eu estava a caminho da igreja, no carro com meu pai. Sentada no banco de trás para o vestido de noiva não amassar, pedi a ele para ligar o rádio, mas papai disse que estava quebrado. Para variar, tentou me fazer desistir do casamento apenas para fazer graça:
- Não quero te desanimar, filha, mas rádio quebrado no dia do casamento... Nossa, significa um azar danado! Olha, Luciana, contrataram um novo estagiário lá na empresa. Bonitão, moreno, tem o tamanho do meu armário e calça 47. Se você quiser...
- Obrigada, papai, pode ficar com ele para você. – respondi rindo e interrompendo - Nem pelo fato de eu estar prestes a me casar, mas é que não gosto muito de homens altos.
Papai riu e continuou a guiar. O dia estava lindo. Belo, ensolarado. Eu estava prestes a me casar, como eu disse, e a ideia de que o homem da minha vida me aguardava no altar fazia meu estômago dar pulos de alegria.
Desci do carro, e ao entrar na igreja lá estava Miguel. Nesse momento, tudo à nossa volta parou, inclusive minha respiração e me senti tão tonta quanto a humana que se apaixonou pelo vampiro - tirando o fato de que me meu noivo mais parecia um anjo, com seus trajes brancos indicando a castidade que ambos havíamos prometido manter.
A cerimônia prosseguiu de uma forma linda, talvez mais para nós do que para os convidados. Mas então, chegou a pergunta:
- Se há alguém contra esta cerimônia, que fale agora ou cale-se para sempre.
Miguel olhou ameaçadoramente de forma brincalhona para os convidados, e então um homem se levantou. Felipe tinha o os olhos com lágrimas, o olhar vazio e a arma em sua mão carregada.
- Por que com ele, Luciana? Por que tinha de ser com ele e não comigo?
Não deu tempo de nada - apenas vi Miguel sangrando, nos meus braços. Nossos trajes, outrora brancos, estavam marcados em vermelho.
Oito da manhã e o despertador do meu celular tocou a marcha nupcial com um aviso "Dia de abandonar eternamente seus pais em troca de um imbecil". Papai com certeza andara mexendo em meu celular. Eu não queria acreditar no que meus olhos viram naquele pesadelo, mas aquela imagem não saía da minha cabeça. Todo aquele sangue, Miguel olhando em meus olhos enquanto sua vida escapava de seu corpo assim como a água escorre pelos dedos... Ainda bem que tinha sido apenas um pesadelo.
O dia foi divertido com minha mãe e minha melhor amiga, Alice, me ajudando a me arrumar para meu casamento. Mas o pesadelo não me deixava sossegada. Quando chegou a hora de ir para a igreja, mamãe olhou por um instante para mim, parecia que ia chorar:
- Minha filhinha... Casando!
- Pára com isso, mãe – respondi forçando um sorriso.
- Vamos na frente, você espera uns 10 minutos e depois vocês saem. E não se esqueça de ir no banco de trás para não amassar o vestido!
Essas palavras me trouxeram o gosto amargo da lembrança do pesadelo mas, de qualquer forma, havia sido apenas um pesadelo.
O dia estava belo, mas estranho. Eu sentia os efeitos disso no meu estômago – mais como se houvesse uma pedra alí, bem diferente do frio na barriga de ansiedade. No caminho, quase pedi a papai para ligar o rádio, mas me segurei para que tudo saísse o mais diferente possível do que vivi naquela noite.
- Uma musiquinha cairia bem agora, não é, Luci?
- Talvez mais tarde, papai...
- É, mais tarde mesmo... Quando eu mandar consertar essa porcaria de rádio! - papai começou a rir.
O rádio estava quebrado. Minha cabeça já começava a rodar.
- Eu disse "cairia bem", não? - papai continuoua rir, e vendo que eu não o acompanhei, espantou-se - Ué, não é você que vive me falando para prestar atenção no tempo verbal das coisas?
Não respondi. Então papai tentou me animar daquele jeito obscuro dele:
- Não quero te desanimar, filha, mas rádio quebrado no dia do casamento... Nossa, significa um azar danado! Olha, Luciana, contrataram um novo estagiário lá na empresa. Bonitão, moreno, tem o tamanho do meu armário e calça 47. Se você quiser...
Aquilo já era demais. Que outra prova eu precisava?
- Pára o carro, papai.
- Calma, primeiro vá até a igreja explicar pro Miguelito que você vai trocá-lo por um morenão... Não vai deixá-lo plantando te esperando, né?
- Papai, pára o carro AGORA!
- Ih, TPM no dia do casamento também dá azar. Espera só eu achar um lugar pra parar o carro...
Ele estacionou o carro na rua, virou-se para trás e se deu conta de que eu tentava sair desajeitadamente com o vestidão de noiva, apressada, chorando. Foi então que ele percebeu que o clima não era de brincadeira. Saiu do carro e e me pegou pelo braço.
- Ei, onde você está indo?
- Embora.
- Mas...
- Eu não quero mais me casar! E pelo amor de Deus, papai, se você fizer alguma piada de que é por causa do morenão...
- Calma, calma. Eu não ia falar isso. Me diz, filha, o Miguel te fez alguma coisa?
- Não pai... Por favor, me deixe ir embora.
- Eu te levo pra casa. De lá, ligamos pra sua mãe falar com o Miguel... O que digo pra ela falar?
- Diga que... Que... Eu não quero mais vê-lo. Nunca mais.
Eu não podia deixar que Miguel morresse por minha causa. E se fosse preciso que ele me odiasse, bem, talvez eu tenha feito a coisa certa.
 
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